Louis Otávio Pereira da Silva, 29 anos, estudante de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), comemora uma espécie de libertação nesta sexta-feira (27.9). Com auxílio da Defensoria Pública de Mato Grosso ele retificou o nome e o gênero na Certidão de Nascimento que pegou hoje, no Cartório.
“Estou sentindo as correntes quebrando. Afinal, é o meu verdadeiro nome, sinto como se tivesse buscado minha carta de alforria”, falou o estudante sobre o que significa ter um nome e um gênero que o identifica no documento oficial de registro civil.
Apesar de ser conhecido como Louis na faculdade, onde mora e pelos pais, o estudante afirma que com o nome no registro civil não verá mais seus certificados, sua candidatura à vaga de empregos e outras situações ou levando a ser tratado com uma mulher. “Agora é oficial. Tá no documento, sou um homem e isso me dará segurança de ter todos os meus registros documentais assim”, conta aliviado.
Ele, que hoje se identifica como um homem trans, conta que nem sempre foi fácil saber quem era. De uma família de três irmãos, duas meninas e ele, na hora das brincadeiras ele sempre quis ser o menino, o personagem masculino e, a primeira vez que usou roupas emprestadas do primo, conta que sentiu uma alegria ímpar. Porém, encontrar o seu gênero seria algo que só ocorreria na idade adulta.
“Por cinco anos fui único filho de meus pais, só depois minhas irmãs nasceram e durante as brincadeiras, sempre me senti mais a vontade com os meninos. Com seis, sete anos eu lembro que eu dormia e acordava pensando: 'Deus vai restaurar meu corpo e amanhã acordarei um menino'. Porém, não acontecia. Uma de minhas grandes felicidades foi um dia usar uma bermuda e uma cueca do meu primo, sem camiseta, e correr com eles na rua. Só tive que parar porque os vizinhos cobravam da minha mãe que eu me comportasse como menina”, relembra.
A percepção de que era diferente dos outros começou cedo, desde a infância, mas onde se encaixava, Louis contou que demorou.
“Eu sabia que eu não era lésbica, pois não era essa a definição que fazia sentido pra mim. Um dia, assisti uma matéria no Fantástico eu me identifiquei com a definição de trans e passei a observar e vi que era o meu caso. Porém, até os 24 anos eu vivi a vida que os outros queriam que eu vivesse. Não tive experiências afetivas, não tive adolescência, não pude me relacionar por me sentir estranho. Eu não falei sobre o assunto com ninguém”.
O estudante afirma que o estudo foi sua válvula de escape. Morador da cidade de Imperatriz (MA), ele conta que buscou aprovação no vestibular em estado diferente, para poder se entender. Depois de três anos em Cuiabá, na pandemia, tomou a decisão de fazer todas as suas roupas femininas. Ficou apenas com a roupa do corpo, mas ali, conta que já sentia que deixava para trás a vida de um personagem e poderia, finalmente, ser quem era. Dois anos depois, voltou para sua cidade para contar o que havia fortalecido uma nova identidade ao seu pai.
“Desde os 17 anos, quando meus pais se separaram eu passei a ter problemas com ansiedade e depressão. Porém, eu também me senti como um objeto, uma mesa, já que eu não tinha experiências pessoais de relacionamentos afetivos com outras pessoas. Meus amigos, minha família, ninguém sabia quem eu realmente era e como eu me sentia. Em cinco anos em Cuiabá, consegui descobrir. Poder contar isso para todo mundo tirou um peso de minhas costas, principalmente, porque não perdi ninguém, fui aceito”.
Resolvido com as roupas, com os amigos e os pais, que desde o primeiro momento decidiram escolher um nome novo, agora para o filho, faltava a mudança oficial, registrada em Cartório. E essa, chegou hoje, 27 de setembro de 2024. “Não tenho palavras para definir a alegria que estou sentindo e o quanto a Defensoria me apoiou e ajudou nesse processo. A Defensoria é uma mãe e sempre que preciso, recorro a ela”, concluiu.