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Estudante trans celebra retificação de nome e gênero: "É minha carta de alforria"

Louis Otávio, 29 anos, conquistou sua retificação de nome e gênero na Certidão de Nascimento com o apoio da Defensoria Pública de Mato Grosso

Por Marcia Oliveira
30 de de 2024 - 14:48
Isabela Mercuri Estudante trans celebra retificação de nome e gênero:

Louis da Silva agora tem nome e gênero que representam o que ele é


Louis Otávio Pereira da Silva, 29 anos, estudante de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), comemora uma espécie de libertação nesta sexta-feira (27.9). Com auxílio da Defensoria Pública de Mato Grosso ele retificou o nome e o gênero na Certidão de Nascimento que pegou hoje, no Cartório. 

“Estou sentindo as correntes quebrando. Afinal, é o meu verdadeiro nome, sinto como se tivesse buscado minha carta de alforria”, falou o estudante sobre o que significa ter um nome e um gênero que o identifica no documento oficial de registro civil. 

Apesar de ser conhecido como Louis na faculdade, onde mora e pelos pais, o estudante afirma que com o nome no registro civil não verá mais seus certificados, sua candidatura à vaga de empregos e outras situações ou levando a ser tratado com uma mulher. “Agora é oficial. Tá no documento, sou um homem e isso me dará segurança de ter todos os meus registros documentais assim”, conta aliviado. 

Ele, que hoje se identifica como um homem trans, conta que nem sempre foi fácil saber quem era. De uma família de três irmãos, duas meninas e ele, na hora das brincadeiras ele sempre quis ser o menino, o personagem masculino e, a primeira vez que usou roupas emprestadas do primo, conta que sentiu uma alegria ímpar. Porém, encontrar o seu gênero seria algo que só ocorreria na idade adulta. 

“Por cinco anos fui único filho de meus pais, só depois minhas irmãs nasceram e durante as brincadeiras, sempre me senti mais a vontade com os meninos. Com seis, sete anos eu lembro que eu dormia e acordava pensando: 'Deus vai restaurar meu corpo e amanhã acordarei um menino'. Porém, não acontecia. Uma de minhas grandes felicidades foi um dia usar uma bermuda e uma cueca do meu primo, sem camiseta, e correr com eles na rua. Só tive que parar porque os vizinhos cobravam da minha mãe que eu me comportasse como menina”, relembra. 

A percepção de que era diferente dos outros começou cedo, desde a infância, mas onde se encaixava, Louis contou que demorou. 

“Eu sabia que eu não era lésbica, pois não era essa a definição que fazia sentido pra mim. Um dia, assisti uma matéria no Fantástico eu me identifiquei com a definição de trans e passei a observar e vi que era o meu caso. Porém, até os 24 anos eu vivi a vida que os outros queriam que eu vivesse. Não tive experiências afetivas, não tive adolescência, não pude me relacionar por me sentir estranho. Eu não falei sobre o assunto com ninguém”. 

O estudante afirma que o estudo foi sua válvula de escape. Morador da cidade de Imperatriz (MA), ele conta que buscou aprovação no vestibular em estado diferente, para poder se entender. Depois de três anos em Cuiabá, na pandemia, tomou a decisão de fazer todas as suas roupas femininas. Ficou apenas com a roupa do corpo, mas ali, conta que já sentia que deixava para trás a vida de um personagem e poderia, finalmente, ser quem era. Dois anos depois, voltou para sua cidade para contar o que havia fortalecido uma nova identidade ao seu pai. 

“Desde os 17 anos, quando meus pais se separaram eu passei a ter problemas com ansiedade e depressão. Porém, eu também me senti como um objeto, uma mesa, já que eu não tinha experiências pessoais de relacionamentos afetivos com outras pessoas. Meus amigos, minha família, ninguém sabia quem eu realmente era e como eu me sentia. Em cinco anos em Cuiabá, consegui descobrir. Poder contar isso para todo mundo tirou um peso de minhas costas, principalmente, porque não perdi ninguém, fui aceito”. 

Resolvido com as roupas, com os amigos e os pais, que desde o primeiro momento decidiram escolher um nome novo, agora para o filho, faltava a mudança oficial, registrada em Cartório. E essa, chegou hoje, 27 de setembro de 2024. “Não tenho palavras para definir a alegria que estou sentindo e o quanto a Defensoria me apoiou e ajudou nesse processo. A Defensoria é uma mãe e sempre que preciso, recorro a ela”, concluiu.

Retificação de Registro  - O processo de retificação de prenome e gênero é um direito garantido a todos os cidadãos e pode ser realizado de forma administrativa, sem a necessidade de advogado ou defensor público. Qualquer pessoa que desejar alterar seu prenome e o gênero no registro civil pode solicitar essa retificação diretamente no Cartório.  

Porém, a coordenadora do Núcleo de Direitos Difusos e Coletivos, Rosana Leite, explica que, para pessoas sem renda ou com renda de três até períodos mínimos individuais, o processo de alteração fica caro, principalmente se o registro de nascimento foi feito em outro estado . E além de caro, também pode ser demorado. 

O procedimento de Louis começou no final de 2023 porque ele foi registrado no Maranhão e o tramite demorou mais porque esperava o documento vindo de lá. Porém, quando o registro é em Mato Grosso ou em Cuiabá, o trâmite pode levar menos de um mês.

“Estamos fazendo o possível para resolver o quanto antes da mudança de nome e gênero, pois o nome é o nosso cartão de visitas, tem uma imensa representatividade, pois é princípio da dignidade da pessoa humana. E a demora na mudança de nome e gênero gera insegurança em todos os sentidos. O Louis é um ativista que tem feito muito pelo segmento LGBTQIAPN+, especificamente pela letra T e ficamos muito felizes em ajudá-lo”, disse a defensora.    


Documentos  - Para dar início ao procedimento, o interessado deve apresentar documentos essenciais como a certidão de nascimento atualizada, um documento de identidade oficial com foto, CPF, comprovante de residência e certidões negativas da Justiça Federal, Eleitoral, do Trabalho e Militar, além de certificações de distribuição e execução criminal. 

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a retificação de gênero e prenome pode ser feita sem a necessidade de apresentação de laudos médicos, psicológicos ou comprovantes de cirurgias de redesignação sexual, o que torna o processo mais acessível e desburocratizado. Após a entrega da documentação no cartório, o prazo para conclusão do procedimento é geralmente de até 30 dias.

A retificação de prenome e gênero é um passo importante para o reconhecimento pleno da identidade de cada indivíduo, permitindo que vivam de acordo com quem realmente é, de maneira digna e respeitosa. Caso tenha dúvidas ou necessidade de mais informações, o interessado pode consultar o cartório de sua cidade ou buscar a orientação de um profissional especializado. Este é um avanço significativo para a população trans e para todos que buscam o reconhecimento de sua identidade no registro civil.