O Núcleo da Defensoria Pública de Colniza tem aplicado círculos de construção de paz na
Cadeia Pública da comarca. O círculo de construção de paz é uma das metodologias da Justiça
Restaurativa, modelo que tem como propósito alterar o vetor da Justiça Criminal para focar nos
danos provocados pelo crime, nas pessoas que os sofreram e nas medidas necessárias para
amenizá-los.
Um célebre jurista disse: desejar combater a criminalidade com a pena é como
querer tratar inflamação com analgésico. A aplicação da pena é incapaz de curar a
“inflamação” provocada pelo crime. No máximo, é capaz de passar uma falsa sensação social
de amenização da dor. No entanto, cumprida a pena, a inflamação persiste e muito
provavelmente provocará dores ainda mais intensas no futuro.
O modelo tradicional de justiça criminal enfoca exageradamente no crime e no
ofensor, sem se atentar a aspectos fundamentais, a exemplo da reparação do dano causado à
vítima e das necessidades que se originaram desse evento traumático. Os danos continuam sem
reparação, as feridas abertas e os traumas presentes.
A Justiça Restaurativa passa a ver o crime não apenas como uma violação de uma
norma estatal, mas como evento que produz danos a pessoas e a comunidades. O foco
restaurativo estabelece a reparação como finalidade principal da atuação da justiça criminal. O
enfoque são os danos e a finalidade é a restauração.
A JR incentiva os ofensores a tomarem posição ativa diante dos danos causados. O
primeiro passo é o reconhecimento dos danos que foram causados. Não se fala em “confessar
o crime”, mas de reconhecer que, de um jeito ou de outro, alguém foi prejudicado. Em seguida,
o ofensor toma medidas necessárias para a reparação daquele dano ou, pelo menos, para a
amenização da dor causada. Nesse processo, o ofensor é empoderado, pois a atitude
restauradora lhe devolve a autoestima e, com isso, pode avançar no processo de reintegração
social.
Nessa trilha, os círculos de construção de paz foram aplicados em Colniza-MT, para
um grupo de 10 pessoas. Dos participantes, sete são pessoas em cumprimento de pena.
Participam, ainda, duas pessoas do Núcleo da DPE Colniza (incluindo o Defensor Público) e
um policial penal (geralmente o Diretor da Unidade). Entre os que cumprem pena, há pessoas
com condenações por crimes diversos, a maioria por homicídio.
Da aplicação dos círculos, notou-se que a criação de espaços para reflexão no
ambiente prisional é de essencial necessidade para promover a emancipação da pessoa presa na
construção da própria trajetória. Um dos círculos aplicados tratou sobre o tema “Escolhas e
Consequências”, no qual os participantes foram convidados a examinar os aspectos que os
trouxeram à situação atual. Durante a dinâmica, muitos revelaram um passado familiar
conturbado, a ausência de contato com o pai e situações socioeconômicas dificílimas. Outros,
entretanto, reconheceram que a inclinação ao crime decorreu de péssimas escolhas.
Por outro lado, conforme relato dos participantes, a realização dos círculos tem
resgatado a autoestima de muitos presos. Descreveram que a forma com que a dinâmica é
conduzida (igualitariamente) e os assuntos que são tratados (relacionados à responsabilidade,
esperança e reconstrução) constituem uma abordagem que permite a reflexão a respeito do
crime de uma forma diferente da culpabilizante típica do modelo tradicional.
A prisão desumaniza. Mas os círculos são uma forma de combater esse processo. A
ausência de hierarquia a democraticidade da metodologia devolvem ao preso o sentimento de
igualdade em consideração e respeito de que todos são dignos, mas que são reiteradamente
privados durante a expiação.
A Justiça Restaurativa em Colniza é um projeto piloto, ainda embrionário. Fruto de
um sonho de um jovem Defensor Público que não se conforma com a maneira ineficaz com que
o sistema penal é conduzido. É um passo pequeno, mas que talvez constitua uma pequena
fissura no muro que há entre a comunidade e os reclusos. Quem sabe, através dessa fissura,
consigamos libertar da opressão da culpa, aqueles que desejam responsabilizar-se a atuar
ativamente na restauração do que foi danificado.