Nesta quarta-feira (14), a Defensoria Pública de Mato Grosso divulgou uma nota técnica sobre a inconstitucionalidade do projeto de Lei nº 711/2023, de autoria do deputado estadual Gilberto Cattani (PL), aprovado em primeira votação na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) no dia 1º de junho, que cria o “programa de proteção do direito à vida da criança, desde a sua concepção (período de nascituro), até seu nascimento”, criminalizando todos os casos de aborto, até mesmo os previstos em lei.
A nota é assinada pela defensora pública-geral, Luziane Castro, e pela defensora Rosana Leite, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem).
“Embora a gente reconheça o importante trabalho da Assembleia Legislativa, em especial a de Mato Grosso, que é bastante atuante, neste caso a Defensoria Pública não poderia se omitir, porque estamos diante de uma lei que é flagrantemente inconstitucional”, pontuou Luziane.
Segundo a nota, desde 1940 o Código Penal assegura o aborto legal nos casos de gravidez resultante de estupro e também quando há risco de morte à gestante (art. 128). Além disso, em 2012 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que grávidas de fetos sem cérebro (anencéfalos) podem optar por interromper a gestação com assistência médica.
“A Defensoria atua principalmente na defesa das pessoas mais vulneráveis, no caso mulheres, até mesmo menores de idade, já fragilizadas, nessas situações em que a lei permite, inclusive com o amparo da decisão do STF, para que elas não sofram uma nova vitimização nessa situação de aborto, a gente não poderia deixar de se manifestar”, destacou.
Ainda de acordo com o documento, o projeto de lei vai de encontro não apenas à Constituição, mas também convenções e tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
“É entristecedor se deparar com um projeto de lei inconstitucional, tendo em vista que o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988, diz que compete privativamente à União legislar sobre direito penal. Então, é um projeto eivado de inconstitucionalidade”, afirmou Rosana.
O projeto de lei, que teve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da ALMT, ainda estabelece que o sigilo profissional, assegurando ao médico e seu paciente, não se aplica nas situações de aborto criminalizadas pela lei, por se tratar de ilícitos penais.
O projeto foi aprovado por unanimidade pelos deputados estaduais, em primeira votação.
Além disso, o projeto de lei determina a comunicação de tentativa ou consumação de qualquer tipo de aborto (mesmo os previstos em lei) à polícia, Ministério Público Estadual e ao Conselho Tutelar.
“Logo, é claro que se trata de um projeto inconstitucional. Todavia, há necessidade de manifestação porque os defensores e as defensoras públicas têm como missão a promoção dos direitos humanos no país. Então, quando há uma ameaça aos direitos humanos, a Defensoria Pública tem que se posicionar”, sustentou a coordenadora do Nudem.
A nota vai ser encaminhada ao governador Mauro Mendes e à própria Assembleia Legislativa, e a Defensoria Pública vai continuar acompanhando a atuação legislativa e governamental sobre o tema.