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PUNIÇÃO EXCESSIVA


Professora é reintegrada ao cargo após Defensoria apontar excesso e irregularidades em exoneração

O caso ocorreu no município de Novo Horizonte do Norte e professora avalia retorno ao cargo como um presente de Natal

Por Marcia Oliveira
10 de de 2024 - 13:13
Ilustração Professora é reintegrada ao cargo após Defensoria apontar excesso e irregularidades em exoneração

Retorno ao cargo é encarado como presente de Natal


“Esse foi meu presente de Natal e de aniversário. Faço 32 anos dia 25 de dezembro e encaro a decisão como um presente”. A declaração é da professora Regiane Lima, ao receber a notícia de que a Defensoria Pública de Mato Grosso conseguiu anular, na Justiça, a exoneração dela do cargo de professora da Prefeitura de Novo Horizonte do Norte. O juiz da comarca de Porto dos Gaúchos, Fabrício Bertoncini, determinou que em 15 dias ela seja reintegrada ao cargo e receba os valores retroativos dos meses que ficou fora da função. 

A professora perdeu o cargo no dia 18 de março de 2024, após responder a uma sindicância, aberta para apurar conduta inadequada dela, ao chamar atenção de três dos seus alunos. Dois dos eventos registrados contra Regiane teriam ocorrido no ano de 2022 e um, no ano passado. 

“Essa decisão vem depois de nove meses de muito choro e muito sofrimento, pois me acusaram de coisas que não fiz, fui exonerada como se fosse um monstro que maltratava crianças e desde então, não consegui mais vaga de trabalho, perdi minha fonte de renda e estou com dívidas em três bancos diferentes. E tudo isso, sem que eu tivesse qualquer chance de realmente me defender”, conta chorando a professora. 

A defensora pública que atuou na comarca de Porto dos Gaúchos e fez a defesa de Regiane numa ação anulatória de processo administrativo disciplinar, com pedido de liminar de urgência para reintegração em cargo público, Lígia Padovani Nascimento, argumentou no processo que a exoneração, além de ilegal, teve punição desproporcional para a conduta alegada. E que os relatos contra a professora, além de anônimos, são inconsistentes. 

“O processo administrativo foi iniciado a partir de uma denúncia anônima. Embora denúncias anônimas possam justificar investigações preliminares, elas não devem ser a única base para aplicação de penalidades graves, como a demissão. A imparcialidade do processo foi questionada, uma vez que a ouvidora que recebeu a denúncia era mãe de um dos alunos supostamente prejudicados” argumentou a defensora no processo. Lígia também informa que dois, dos três casos citados, prescreveram segundo a Lei Municipal 429/98, que define que a sindicância para apurar irregularidades deve ser aberta no prazo de 180 da ocorrência dos fatos. Porém, os casos só foram relatados em 2024. 

“O mais grave foi a desproporcionalidade da pena. A demissão é desproporcional à gravidade das condutas atribuídas à professora, condutas essas que já haviam sido tratadas administrativamente com medidas mais brandas, como advertência verbal. Testemunhos e provas contraditórios foram apresentados durante o processo, indicando que as acusações não tinham sustentação suficiente para justificar a pena máxima”, alegou a defensora no processo. Lígia também apontou que as investigações apresentaram falhas formais, como menções incorretas a números de portaria e ausência de fundamentação robusta para a aplicação da penalidade, o que teria comprometido a validade do procedimento. 

Acusações - A professora foi acusada de adotar a “pedagogia do grito” com seus alunos da escola municipal Ulisses Guimarães. Numa das três ocasiões, ocorrida em julho de 2023, um aluno se engasgou com uma maça e ao chorar, a professora que teria ido em seu socorro, e dito que não era caso de choro. Ela teria usado a expressão “Nutella” para caracterizar quem chorava por aquele motivo. 

Nos outros dois casos, ocorridos em 2022, um aluno teria escondido os chinelos de uma colega e Regiane teria retirado ele do ônibus escolar para procurar e devolver o calçado à colega. E, em outra situação, durante uma festa escolar, um aluno teria tido uma “crise neurológica” e a professora o teria colocado de castigo, enquanto os demais brincavam. 

“Essas acusações foram contestadas e apontamos as inconsistências nos relatos, além da ausência de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), conforme exige a legislação municipal, para casos de punição com demissão”, explica a defensora. 

Decisão - Os argumentos da Defensoria Pública foram acatados pelo juiz da Vara Única de Porto dos Gaúchos, Fabrício Bertoncini, que determinou a recondução da professora à vaga, em 15 dias, com todos os efeitos econômicos da decisão. 

“Declaro a nulidade do ato administrativo que culminou na demissão da autora, por ausência de instauração de Processo Administrativo Disciplinar, em afronta ao princípio da legalidade ante o disposto no artigo 139 da Lei Municipal n.º 429/98. Defiro a antecipação da tutela para determinar que o Município de Novo Horizonte do Norte, no prazo de 15 dias, proceda a reintegração da autora ao cargo anteriormente ocupado, com todas as vantagens funcionais e financeiras dele decorrentes”, determinou o juiz. 

Bertoncini lembra ainda que cabe ao prefeito da cidade determinar a exoneração de servidores, em PAD, e que Regiane foi exonerada ao fim de uma sindicância, o que é ilegal, segundo o artigo 139 da Lei Municipal n.º 429/98. A denúncia foi recebida na Ouvidoria em 21 de julho de 2023, a sindicância aberta em 06 de novembro de 2023 e concluída no dia 06 de março de 2024. No dia 18, a servidora foi exonerada. 

“Apesar de me pintarem como um monstro, 17 pais de alunos me defenderam, no dia que fui embora, os alunos fizeram cartazes de despedida e choravam. Foi um processo horrível, eu fui acusada e condenada como se tivesse batido em alguém. E isso aconteceu no segundo ano do meu estágio probatório e de lembrar de tudo, não consigo parar de chorar. Mas agora, vou tentar retomar minha vida com esse presente de Natal”, disse a professora.