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CONFLITO FUNDIÁRIO


Território de Direitos levanta situação fundiária de famílias no Recanto da Seriema

Ferramenta aplicada pela Defensoria Pública mapeia situação de famílias que vivem há décadas em área de conflito e pode subsidiar regularização da terra

Por Marcia Olivera
31 de de 2025 - 17:30
Isabela Mercuri Território de Direitos levanta situação fundiária de famílias no Recanto da Seriema

Defensoria vai até moradores de área que é foco de disputa jurídica pela posse


A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) levou, esta semana, o Projeto Território de Direitos para o Assentamento Recanto da Seriema, localizado na zona rural de Cuiabá, nas proximidades do Contorno Leste. A ação teve como objetivo aplicar o Sistema de Atendimento Fundiário (SAF) para levantar dados sociais, jurídicos e habitacionais de aproximadamente 70 famílias que vivem na comunidade, há décadas, em meio a conflitos fundiários e ausência de serviços públicos essenciais.

O SAF permite mapear, de forma detalhada, a realidade da comunidade a partir do registro de informações como o tempo de ocupação, estrutura da moradia, renda e vínculo social da comunidade com o território. A partir do levantamento, os dados podem ser levados para o processo e subsidiar medidas por parte da Defensoria Pública, além de garantir ao Poder Judiciário informações técnicas que possam, com base na realidade, embasar decisões. 

A Associação que representa o assentamento afirma que as famílias mais antigas estão no local há quase 30 anos e que o processo que discute o pedido de usucapião, feito por eles para que tenham a regularização fundiária, tramita desde 2015. Atualmente a defensora pública que atua na Fazenda Pública, Fernanda Cícero França, trabalha no processo.

“Essa disputa começou com o pedido de usucapião por parte da Associação de Moradores Recanto da Seriema, em 2015, e no decorrer do processo, descobrimos que parte da área é do Estado por se tratar de terra pública ou devoluta. O Estado manifestou interesse na área e desde então, a disputa não teve uma solução. Agora, na visão da Defensoria, a melhor alternativa é a aplicação do SAF, que significa virmos no lugar, fazer a averiguação socioeconômica dos moradores, da área de ocupação de cada morador, quem mora  no lugar, onde mora e por quanto tempo mora ali, para que o juízo tenha um retrato da situação real deles”, explica.

Fernanda ainda afirma que para eles, a presença da Defensoria Pública no local é encarada pela comunidade como a esperança de resolver problemas básicos de acesso à infraestrutura básica, como transporte, saúde e educação, a partir da titulação da área.

A defensora pública-geral, Luziane Castro, reforça que o diferencial do Território de Direitos é a presença direta da instituição nos locais de conflito. “A Defensoria Pública sai do gabinete para enxergar a realidade de perto, estar ao lado da população, escutar, compreender suas dificuldades e transferir informações concretas para o processo judicial. Isso é o que torna essa ação tão importante. Ao estarmos aqui, também levamos humanidade, dignidade e alento para uma população historicamente sofrida”, afirmou.

O presidente da Associação, Fernando Alencar Bezerra, explica que a falta de documentação impede que os moradores tenham acesso a direitos básicos. “Aqui tudo é por nossa conta, o transporte escolar, a coleta de lixo e até a manutenção das estradas. Se a área fosse regularizada, o Poder Público teria o dever de atender a comunidade. Por estarmos nessa situação por mais de 20 anos, agradecemos à Defensoria, que está aqui, nos ouvindo, e nos dando essa esperança”, declarou. 

Pedro Pereira dos Santos, de 51 anos, conta que vive na região há mais de 28 anos. Ele lembra das dificuldades enfrentadas desde que chegou com a esposa em busca de um pedaço de terra. “Foi uma batalha muito grande, gente querendo tomar a área dizendo ser dono, o processo, mas conseguimos provar que não eram. Hoje, ver a Defensoria aqui nos dá esperança real de conseguir o nosso documento”, disse. 

A moradora Francisca Batista, 67 anos, vive há 14 anos no lugar e explica que seu sonho era ter um pedaço de terra para plantar e descansar. “Vim com esse propósito. Já passamos por muita dificuldade. Hoje melhorou um pouco, mas ainda falta tudo, escola, estrada, saúde. Só queremos viver com dignidade”, contou.

O secretário executivo da Defensoria Pública, defensor Clodoaldo Queiroz, destacou que o órgão já acompanha o conflito na região há mais de duas décadas e que a aplicação do SAF representa um avanço decisivo. “Em outros momentos até trouxemos juízes ao local, mas era impossível visitar casa por casa. Agora, com a tecnologia e o método adotado, conseguiremos demonstrar a realidade dessas famílias com precisão”, disse. O Projeto Território de Direitos foi criado com base na decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 828, que trata da proteção contra despejos forçados. A iniciativa busca uma atuação proativa e estratégica, levando justiça a quem mais precisa.