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USUCAPIÃO


Após recurso da Defensoria, Justiça aceita ação de usucapião de imóvel adquirido por idosos em 2008 em Lucas do Rio Verde

Casal de idosos morava no imóvel desde 2008, mas não conseguia a posse definitiva por dívidas de antigos proprietários, no valor de R$ 12 mil, cobrada pela Prefeitura; TJMT acatou recurso da Defensoria e reformou a decisão contrária da primeira instância, em prol da ação de usucapião

Por Alexandre Guimarães
12 de de 2023 - 17:51
Após recurso da Defensoria, Justiça aceita ação de usucapião de imóvel adquirido por idosos em 2008 em Lucas do Rio Verde


Após recurso ajuizado pela Defensoria Pública junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, E.S. do E.S. e C.C. do E.S., ambos com mais de 60 anos de idade, conseguiram dar prosseguimento à ação de usucapião, visando a posse definitiva de um imóvel que ocupam desde 2008 em Lucas do Rio Verde (332 km de Cuiabá).

A Justiça reconheceu, após recurso da Defensoria, que a aquisição derivada da propriedade, por meio da celebração do contrato de compra e venda, não pode servir de obstáculo para a ação de usucapião.

Os idosos firmaram um contrato de compra e venda com J.C.D. de L., em abril de 2008, com entrada de R$ 10.250 e o pagamento de 28 parcelas de R$ 260. Porém, o vendedor não informou os compradores de que havia multas e dívidas do imóvel com a antiga proprietária e que estava estabelecido no contrato que a escritura somente seria passada quando o valor estivesse quitado. 

Anos depois, os moradores descobriram que o título da propriedade estava em nome do Município de Lucas do Rio Verde. Ao procurar a Prefeitura, foram informados de que a dívida era de aproximadamente R$ 12 mil, valor que não tinham condição de quitar.

Algum tempo depois, ainda foram constrangidos pelo vendedor, que cobrou deles o pagamento das dívidas, alegando que a antiga proprietária iria tomar o imóvel deles caso não quitassem o valor.

Diante disso, foram até o Fórum Municipal para tentar resolver a questão de maneira amigável, sem êxito. Então, procuraram a Defensoria Pública de Lucas do Rio Verde, em setembro de 2021.

Tão logo tomou conhecimento do caso, o defensor Diogo Madrid Horita ingressou com a ação de usucapião junto à 3ª Vara da Comarca.

Segundo o defensor, os moradores demonstraram que possuem de maneira mansa, pacífica, contínua e incontestada o imóvel, adquirido mediante contrato de compra e venda realizado entre particulares. Todavia, mesmo após sucessivas transferências entre particulares, o imóvel ainda estava registrado no cartório em nome do Município de Lucas do Rio Verde.

“Eu fiz duas casas no terreno. Uma no fundo, uma casa pequena. A da frente eu terminei. Preciso do documento para valorizar mais o imóvel, porque sem a escritura não tem como valorizar um terreno”, afirmou C.C. do E.S.

Aos 69 anos, o morador depende do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo (R$ 1.320 em 2023), pago pelo Governo Federal, para o seu sustento, pois teve que parar de trabalhar como pedreiro e carpinteiro em 2016, devido a um problema de cartilagem.

Segundo o idoso, ele teve que fazer um empréstimo bancário ano passado para construir sua casa e ainda paga prestações de cerca de R$ 300 todo mês, além do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) no valor anual aproximado de R$ 700.

Em primeira instância, em setembro de 2019, a Justiça negou o pedido da Defensoria Pública, acolhendo a preliminar da falta de interesse processual alegada pelo Município de Lucas do Rio Verde, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, pela suposta inadequação da via eleita.

Nesse contexto, a Defensoria Pública apresentou recurso de apelação, sustentando que “em momento algum a Constituição Federal condiciona o manuseio ao pleito da usucapião ao requisito negativo de impossibilidade de aquisição pela via derivada. Além do mais, a ação de usucapião constitui-se como modo de aquisição da propriedade pela posse mansa, pacífica e ininterrupta, com animus domini e, no caso de haver justo título (contrato de compra e venda), cabe ao possuidor do imóvel a escolha da via processual que entende útil e necessária à sua pretensão”.

Acolhendo os argumentos apresentados pela Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso deu provimento ao recurso, anulando a decisão anterior, por unanimidade, determinando o prosseguimento do processo.

“Diante do que estabelece a legislação, torna-se intuitivo concluir que a usucapião não se configura tão somente em um meio de obtenção da propriedade, mas também consiste em dar efetividade à função social, conferindo a relevância necessária à aquisição de direitos fundamentais – direito à propriedade, à moradia e ao mínimo existencial. Compete ao Poder Judiciário proteger a situação de fato estabelecida por aqueles que, por muito tempo – na hipótese, há 14 anos – exercem a posse sobre o bem com o fim de moradia”, diz trecho do voto do desembargador Sebastião Barbosa Farias, relator do caso.

O defensor Diogo Madrid Horita destacou que a ação de usucapião, nessas situações, garante o direito fundamental à propriedade, dignidade, igualdade, segurança, função social da propriedade, herança, direito adquirido, além de convergir a atuação estatal aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme o artigo 3º da Constituição, de “construir uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, promovendo o bem de todos”.