Notícias

PERDA IRREPARÁVEL


Defensoria pede R$ 1 milhão de indenização à família de idosa que faleceu após 15 dias aguardando UTI

Luiza Klein estava internada desde o dia 16 de janeiro em Campo Verde e, mesmo com liminar, só foi transferida no dia 31 para Cuiabá, onde faleceu no dia seguinte

Por Alexandre Guimarães
28 de de 2025 - 17:56
Reprodução Defensoria pede R$ 1 milhão de indenização à família de idosa que faleceu após 15 dias aguardando UTI


Na noite de quinta-feira (27), o Núcleo de Campo Verde da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) ingressou na Justiça com uma ação de indenização por danos morais, no valor de R$ 1 milhão, contra o Município e o Estado em decorrência da morte de Luiza Klein, aos 67 anos, no dia 1º de fevereiro, em Cuiabá, após aguardar 15 dias por uma UTI, mesmo com uma liminar deferida no dia 23 de janeiro.

A ação foi protocolada ontem, às 18h55, pelo defensor público Bruno Cury de Moraes a pedido da família, que mora na comunidade de Agrovila das Palmeiras, na área rural do município de Santo Antônio do Leverger.

Constam como autores da ação os três filhos de Luiza – Eliane, Valdemar e Marilene –, assim como o pai deles, Duílio Klein, agora viúvo, que foram até o Núcleo de Campo Verde (137 km de Cuiabá) no último dia 11 para solicitar à Defensoria que ingressasse com o pedido de indenização.

“O desfecho da inércia sistemática dos entes públicos culminou no óbito da Sra. Luiza Klein em 1º de fevereiro de 2025. A transferência só foi viabilizada mediante bloqueio judicial nas contas do Estado e do Município, medida extrema que demonstra a resistência deliberada das autoridades em cumprir seu dever constitucional. Tragicamente, um dia após essa transferência tardia, Luiza Klein não resistiu - uma morte que carrega o peso incontestável da negligência estatal”, diz trecho da ação.

Ainda de acordo com o pedido, a perda irreparável devastou toda a estrutura familiar: “quatro filhos enlutados, oito netos privados da presença de sua avó, seu esposo, e um núcleo familiar despedaçado pelo vazio deixado por sua matriarca”.

Para o defensor, que vem acompanhando o caso desde o início, o óbito de Luiza não representa apenas uma estatística, mas a materialização do descaso do poder público, que vai muito além da omissão, e resultou em uma sentença de morte.

“A omissão dos réus em disponibilizar leito de UTI para a Sra. Luiza Klein, mesmo após decisão judicial, configura omissão específica, pois havia determinação expressa para a realização do ato administrativo, o que enseja responsabilidade civil objetiva”, sustentou Cury.

Relembre o caso – Conforme os autos, Luiza foi diagnosticada com calculose de via biliar com colangite e estava internada em um leito comum no Hospital Municipal Coração de Jesus, em Campo Verde, desde o dia 16 de janeiro.

Devido à piora do quadro de saúde da idosa, uma das filhas dela, Marilene Elizabete Klein Carvalho, 38 anos, procurou a Defensoria no dia 23, solicitando a transferência urgente da mãe para uma Unidade de Terapia Intensiva, com suporte em oncologia, para a realização de uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE).

Na época, a paciente já estava classificada como “prioridade 0, emergência, necessidade de atendimento imediato” no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg).

A ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência, foi ajuizada no mesmo dia, às 19h04, pela Defensoria Pública em face do Município de Campo Verde e do Estado de Mato Grosso.

Cerca de uma hora depois, às 20h05, o juiz plantonista André Mauricio Prioli concedeu a tutela de urgência antecipada, determinando que o Estado e o Município, no prazo de 12 horas, adotassem as providências cabíveis para viabilizar o tratamento da idosa com o encaminhamento a uma UTI com CPRE e suporte oncológico, além de todos os procedimentos necessários para o restabelecimento da saúde da paciente, seja na rede pública ou particular.

Entretanto, a decisão judicial não foi cumprida. Como a família mora na comunidade de Agrovila das Palmeiras, na área rural do município de Santo Antônio do Leverger, o Núcleo da DPEMT naquela comarca passou a atuar no caso, solicitando inicialmente o cumprimento da decisão judicial no dia 28 e, no dia seguinte, requisitando o bloqueio das verbas públicas.

“Portanto, uma vez os executados já terem sido intimados da tutelar provisória nos autos (...) requer-se com a máxima urgência, considerando a paciente estar há UMA SEMANA aguardando pela UTI, para melhor prognóstico e mais chances de sobrevida o bloqueio de verbas públicas no orçamento que Vossa Excelência entender melhor adequado, em virtude do reiterado descumprimento da ordem judicial”, diz trecho da requisição da defensora pública Milena Barboza Bortoloto.

O pedido incluiu ainda orçamentos detalhados dos custos de internação e tratamento na rede particular de saúde. A Justiça chegou a intimar o Município e o Estado para o cumprimento da decisão, no prazo de 24 horas, sob pena de aplicação de multa diária até o limite de R$ 20 mil.

Porém, a resposta da Secretaria Estadual de Saúde foi que a vaga de UTI foi solicitada “para as Coordenadorias de Regulação de Urgência e Emergência do Estado de Mato Grosso, para o Hospital Estadual Santa Casa de Cuiabá, para o Hospital Estadual de Várzea Grande e para o Hospital Regional de Rondonópolis, porém sem retorno de vaga disponível, até o momento”.

Diante disso, o pedido de bloqueio nas contas do Estado, no valor de R$ 372.504,24, foi deferido pela Vara Única de Santo Antônio do Leverger no dia 31 de janeiro. Assim, a idosa finalmente foi transferida para o Hospital Estadual Santa Casa, em Cuiabá, no dia 31. Ela faleceu no hospital no dia seguinte (1º de fevereiro). Consta na certidão de óbito que a morte foi motivada por choque séptico, síndrome colestática, insuficiência cardíaca, entre outras causas.

“Nosso sentimento é de revolta! Se tivesse levado a minha mãe no dia da decisão judicial ela estaria viva.  O Governo não respeitou a decisão do juiz. Era uma vida em risco. A população do Estado tem mais de 3 milhões e só tem 590 UTIs. É uma vergonha para o Estado!”, desabafou Valdemar Klein, 44 anos, um dos três filhos de Luiza.

Nos últimos meses, a ocupação de leitos de UTI pelo Sistema Único de Saúde (SUS) atingiu 95% da ocupação em Mato Grosso, segundo a própria Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT).

“O caso evidencia um grave descaso por parte das autoridades de saúde do Estado de Mato Grosso e do Município de Campo Verde, que falharam em atender a uma ordem judicial que visava garantir o direito à saúde de uma paciente em situação crítica. A omissão das instituições de saúde não apenas desrespeitou a decisão judicial, mas também resultou em consequências fatais, levantando questões sérias sobre a responsabilidade e a eficácia do sistema de saúde pública na proteção dos direitos dos cidadãos”, afirmou Cury.

Clique aqui para acessar, na íntegra, a ação de indenização por danos morais.