Na tarde desta terça-feira (11), a família de Luiza Klein, 67 anos, buscou a Defensoria Pública (DPEMT) para solicitar uma indenização do Estado pelo falecimento da idosa, que ocorreu em Cuiabá, no dia 1º de fevereiro, um dia após ela ser transferida de Campo Verde, onde estava internada desde o dia 16 de janeiro, aguardando por uma vaga de UTI, mesmo com uma liminar deferida pela Justiça no dia 23.
Conforme os autos, Luiza foi diagnosticada com calculose de via biliar com colangite e estava internada em um leito comum no Hospital Municipal Coração de Jesus, em Campo Verde (137 km de Cuiabá), desde o dia 16 de janeiro.
Devido à piora do quadro de saúde da idosa, uma das filhas dela, Marilene Elizabete Klein Carvalho, 38 anos, procurou o Núcleo da DPEMT na comarca no dia 23, solicitando a transferência urgente da mãe para uma Unidade de Terapia Intensiva, com suporte em oncologia, para a realização de uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). Ela já estava classificada como “prioridade 0, emergência, necessidade de atendimento imediato” no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg).
A ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência, foi ajuizada no mesmo dia, às 19h04, pelo defensor público Bruno Cury de Moraes em face do Município de Campo Verde e do Estado de Mato Grosso.
“Ressalte-se que os familiares da autora não dispõem de renda suficiente para custear os elevados gastos relacionados à transferência e à internação em leito de UTI em hospital da rede particular. Em razão disso, o presente feito busca assegurar o direito fundamental à saúde, por meio da disponibilização do serviço médico indicado”, diz trecho da ação.
Cerca de uma hora depois, às 20h05, o juiz plantonista André Mauricio Prioli concedeu a tutela de urgência antecipada, determinando que o Estado e o Município, no prazo de 12 horas, adotassem as providências cabíveis para viabilizar o tratamento da idosa com o encaminhamento a uma UTI com CPRE e suporte oncológico, além de todos os procedimentos necessários para o restabelecimento da saúde da paciente, seja na rede pública ou particular.
Entretanto, a decisão judicial não foi cumprida. Como a família mora na comunidade de Agrovila das Palmeiras, na área rural do município de Santo Antônio do Leverger, o Núcleo da Defensoria naquela comarca passou a atuar no caso, solicitando inicialmente o cumprimento da decisão judicial no dia 28 e, no dia seguinte, requisitando o bloqueio das verbas públicas.
“Portanto, uma vez os executados já terem sido intimados da tutelar provisória nos autos (...) requer-se com a máxima urgência, considerando a paciente estar há UMA SEMANA aguardando pela UTI, para melhor prognóstico e mais chances de sobrevida o bloqueio de verbas públicas no orçamento que Vossa Excelência entender melhor adequado, em virtude do reiterado descumprimento da ordem judicial”, diz trecho do pedido da defensora pública Milena Barboza Bortoloto.
O pedido incluiu ainda orçamentos detalhados dos custos de internação e tratamento na rede particular de saúde. A Justiça chegou a intimar o Município e o Estado para o cumprimento da decisão, no prazo de 24 horas, sob pena de aplicação de multa diária até o limite de R$ 20 mil.
Apesar disso, a resposta da Secretaria Estadual de Saúde foi que a vaga de UTI com suporte em CPRE e oncologia foi solicitada “para as Coordenadorias de Regulação de Urgência e Emergência do Estado de Mato Grosso, para o Hospital Estadual Santa Casa de Cuiabá, para o Hospital Estadual de Várzea Grande e para o Hospital Regional de Rondonópolis, porém sem retorno de vaga disponível, até o momento”.
Diante disso, o pedido de bloqueio nas contas do Estado, no valor de R$ 372.504,24, foi deferido pela Vara Única de Santo Antônio do Leverger no dia 31 de janeiro.
Assim, a idosa finalmente foi transferida para o Hospital Estadual Santa Casa, em Cuiabá, no dia 31. Porém, ela faleceu no hospital no dia seguinte (1º de fevereiro).
Consta na certidão de óbito que a morte foi motivada por choque séptico, síndrome colestática, insuficiência cardíaca, entre outras causas.
“Nosso sentimento é de revolta! Se tivesse levado a minha mãe no dia da decisão judicial ela estaria viva. O Governo não respeitou a decisão do juiz. Era uma vida em risco. A população do Estado tem mais de 3 milhões e só tem 590 UTIs. É uma vergonha para o Estado!”, desabafou Valdemar Klein, 44 anos, um dos três filhos de Luiza.
Recentemente, a ocupação de leitos de UTI pelo Sistema Único de Saúde (SUS) atingiu 95% da ocupação em Mato Grosso, segundo a própria Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT).
“O caso evidencia um grave descaso por parte das autoridades de saúde do Estado de Mato Grosso e do Município de Campo Verde, que falharam em atender a uma ordem judicial que visava garantir o direito à saúde de uma paciente em situação crítica. A omissão das instituições de saúde não apenas desrespeitou a decisão judicial, mas também resultou em consequências fatais, levantando questões sérias sobre a responsabilidade e a eficácia do sistema de saúde pública na proteção dos direitos dos cidadãos”, afirmou Cury.
O defensor público, que acompanha o caso desde o início, com o apoio da assessora jurídica Ana Júlia Rodrigues Telles de Oliveira, está preparando uma ação de indenização a pedido da família – os três filhos da idosa, Eliane, Valdemar e Marilene, e o pai deles, Duílio Klein, agora viúvo, foram hoje pessoalmente até o Núcleo de Campo Verde da DPEMT.
“Nós somos pobres, viemos da zona rural, dependemos do serviço público. Tenho certeza de que se a gente tivesse dinheiro teria resolvido. O Estado não deu nem satisfação. É a vida da minha mãe. É uma falta de respeito com o ser humano. Só ficou a saudade. A única que deu apoio foi a Defensoria Pública aqui de Campo Verde. Eles foram parceiros, uma família pra gente”, revelou Valdemar.
Na última terça-feira (4), a equipe do Núcleo de Campo Verde da DPEMT visitou o Hospital Municipal Coração de Jesus para investigar as razões pelas quais as vagas de UTI estariam sendo represadas pelo Estado, com o objetivo de evitar que isso se repita no futuro.
“Selamos esse compromisso e a família está pronta para lutar pela justiça. Eles desejam ir até o fim, agora pela via indenizatória, o que ficará a cargo da Defensoria Pública de Campo Verde”, ressaltou o defensor.